Fonte: Valor Investe, por Marcelo d’Agosto
As “fake news” são charmosas. Um título bem-feito a respeito de um assunto polêmico invariavelmente vai acabar chamando a nossa atenção.
Recentemente eu recebi uma mensagem intrigante. Perguntava o que as criptomoedas tinham a ver com as eleições. Era um texto longo e que no fim chegava na conclusão esperada. As criptomoedas não têm nada a ver com as eleições.
No mercado financeiro, apesar de toda a regulamentação, é relativamente comum ver conselhos de como investir para ficar milionário antes dos 30 anos, ter uma rentabilidade de 300% em apenas duas semanas ou escolher modalidades infalíveis para garantir a aposentadoria.
Esse tipo de oferta, apesar de já sabermos a resposta, sempre acaba nos gerando uma curiosidade. Pode ser pelo temor de deixar passar uma boa oportunidade. Ou pela esperança de finalmente encontrar a fórmula definitiva para fazer uma boa gestão dos investimentos.
Nesse clima atual de campanha política, as “fake news” invadem os grupos de mensagens e as redes sociais. E o ambiente polarizado da disputa é um estímulo para defendermos com paixão as nossas posições.
Adicionalmente, o mercado financeiro tem uma característica particular. Assuntos complexos também são discutidos com muito entusiasmo.
No mercado internacional a polêmica do momento é se o Fed, o banco central americano, deve esperar por mais dados econômicos para tomar alguma decisão mais drástica sobre o aumento das taxas de juros, ou se o atual conjunto de informações já é suficiente para agir.
Portanto, para usar a linguagem das redes sociais, existe o grupo dos que autorizam Jerome Powell, o presidente do Fed, a aumentar os juros. E os que dizem que ele não deveria fazer isso.
No Brasil, como estamos nas vésperas da eleição presidencial, a discussão é sobre a margem de erro das pesquisas eleitorais. E como ficam as correlações entre a abstenção e o resultado esperado dado pelas enquetes.
Esse ambiente hermético e polarizado estimula a propagação das “fake news”.
Como todos querem ter uma opinião sobre um tema polêmico, é possível partir de certas premissas falsas para chegar a conclusões mirabolantes.
Um exemplo seria se alguém dissesse que os juros no Brasil estão mais baixos do que nos Estados Unidos para combater a recessão da economia chinesa. E, portanto, o preço do petróleo tende a cair, o que vai acabar impactando positivamente as ações da Petrobras.
Para entender o absurdo da frase, é preciso ter alguma noção da ordem de grandeza dos juros no Brasil e nos Estados Unidos. Além de uma ideia básica das causas e consequências da engrenagem macroeconômica. E, por último, se as relações andam na mesma direção ou sentidos opostos.
A cereja do bolo é comparar a afirmação anterior com outra mais absurda ainda. Por exemplo, de que a Rússia invadiu a Ucrânia para eliminar a ameaça comunista de detonar uma guerra nuclear.
Assim, como uma afirmação é muito estapafúrdia, a outra fica relativamente mais palatável.
O problema é que, apesar de premissas falsas levarem a conclusões equivocadas, isso não impede que um investimento seja bem-sucedido. Significa que é possível acertar uma aposta feita na valorização de determinado ativo, mesmo errando as razões que embasaram aquela posição.
E para provar o argumento de que é possível se tornar milionário com menos de 30 anos bastaria dar o exemplo de alguém que tenha comprado R$ 15 mil em bitcoin no ano de 2015 aos 20 anos. Hoje essa pessoa teria R$ 1,5 milhão.
Para ganhar 300% em duas semanas é suficiente encontrar uma opção de compra de uma ação a um preço de exercício muito acima da atual cotação. E ter a sorte dessa ação subir, por exemplo, 10%.
A despeito das “fake news”, o importante é traçar um cenário econômico realista. Especificamente para o Brasil, onde a promessa de uma política econômica liberal que existia há quatro anos não se concretizou.
Uma boa parte da explicação para isso foi porque o mundo mudou radicalmente. O interesse dos Estados Unidos de continuar exercendo o papel de uma espécie de polícia do mundo diminuiu e a estratégia empresarial de confiar em cadeias globais de suprimento foi posta em xeque, tanto pela pandemia da covid quanto pela escalada das tensões geopolíticas. No Brasil, ainda, houve a constatação de que uma parcela significativa da população continua dependendo das políticas sociais do governo.
Nesse cenário, a recomendação é não perder tempo com teses embasadas em premissas e promessas falsas. E, na medida do possível, manter uma carteira de investimentos equilibrada.