Após mergulhar em uma grande crise de credibilidade, com alguns fundos de pensão virando alvo de investigações e com os holofotes virados para a intervenção no Postalis, a fundação dos funcionários dos Correios, o setor está, no momento, na trilha para reconquistar sua credibilidade e retomar sua posição de protagonista de investimentos de longo prazo, como grandes investidores institucionais. O diretor-superintendente da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), órgão que regula o setor que possui mais de R$ 780 bilhões em ativos, Fábio Coelho, que assumiu o cargo em março deste ano, busca diminuir a distância do modelo de regulação do órgão de práticas internacionais e de outros supervisores, como o do sistema financeiro.
“Nosso diagnóstico é de que a regulação foi, de certa forma, permissiva por muito tempo, e distante das melhores práticas. Precisamos fechar esse “gap” regulatório e modernizá-lo”, afirma Coelho, que é servidor de carreira do Banco Central (BC). Segundo ele, algumas medidas já foram tomadas nos últimos meses, mas outras ações estão programadas para aperfeiçoar tanto as regras como o modelo de supervisão. “Não há bala de prata. Estamos colocando diversas medidas para fortalecer o setor e temos como mantra buscar de volta a credibilidade”, destaca.
Novas medidas estão saindo do forno. Na próxima semana, por exemplo, será publicada instrução trazendo medidas prudenciais, de forma a atualizar os dispositivos de fiscalização da Previc. O objetivo primordial, segundo Coelho, é incorporar no regulador uma atuação que seja capaz de antecipar problemas e identificar riscos nos fundos de pensão que podem se materializar. “Com isso colocamos uma ferramenta na caixa que antes não existia, para que possamos não só atuar depois que as coisas acontecem, mas também com o olhar no futuro e de forma prospectiva”, diz. Outra medida recente foi regular o processo de habilitação dos dirigentes dos fundos de pensão, assim como trazer a definição dos requisitos de reputação ilibada, a exemplo do que já existe em outros supervisores do sistema financeiro.
O dirigente do regulador dos fundos de pensão reconhece que crises de credibilidade podem durar até uma década, se analisado casos vistos em outros setores, mas que hoje o horizonte é de otimismo. “Vamos sair de 2017 fortalecidos e fecharemos o ano com números positivos em relação à solvência das fundações e em 2018 deve ser um ano de mais redução dos déficits e o próximo ano deve ser o melhor da última década para os fundos de pensão”, afirma. A melhora, salienta, já começa a ser observada, com o déficit das fundações começando a cair: era de R$ 77,6 bilhões no fim de junho e foi para R$ 65,6 bilhões ao fim de setembro, conforme os últimos dados divulgados do setor. Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
Broadcast – Como está a situação atual dos fundos de pensão?
Fábio Coelho – Os fundos de pensão estão passando por um processo de profissionalização e na nossa visão isso será base para o crescimento sustentável para os próximos anos. As medidas que estão sendo tomadas vão gerar frutos em um futuro próximo. O ano de 2017 já foi de inflexão, de retomada da rentabilidade dos fundos e redução dos déficits.
Broadcast – Outras medidas estão no radar do regulador?
Coelho – Teremos que enfrentar em 2018 a atualização dos mecanismos punitivos da previdência complementar. Hoje as multas e punições são muito brandas, de no máximo R$ 40 mil e que nitidamente não tem condão para coibir determinados comportamentos. Também queremos focar em modernização das regras de governança dos fundos e atribuição dos órgãos de governança. Mas há ainda outras medidas no radar.
Broadcast – E como se dará a retomada da credibilidade no setor?
Coelho – Primeiramente precisamos estancar os casos mais gravosos e isso já começa a trazer mais confiança. Para ter confiança é preciso proteger os pagamentos dos aposentados, que estão em uma fase mais frágil da vida. Precisamos fortalecer todas as camadas de proteção. A governança dos fundos de pensão precisa ser aperfeiçoada. Entendemos que quando se tem incentivos alinhados e medidas adequadas e com tudo somado, a credibilidade chegará aos fundos de pensão.
Broadcast – O Conselho Nacional de Previdência Complementar também acaba de aprovar o Comitê de auditoria para as maiores fundações…
Coelho – Esse é um ponto muito importante e as empresas de auditoria serão protagonistas em relação aos controles internos. As conversas foram extensas para trazermos as melhores práticas ao setor. Nas 17 maiores fundações, que detêm 62% do total dos ativos, o comitê de auditoria passa a ser obrigatório. Para todas as fundações passa a ser exigido um relatório com a manifestação da auditoria independente sobre a qualidade da governança da fundação, que será enviada à Previc.
Broadcast – Qual o alerta da Previc nesse contexto de taxa de juros na mínima histórica, já que os fundos mantêm elevada exposição em títulos públicos?
Coelho – Fizemos um relatório para alertas as fundações sobre um risco que pode se materializar em 2019. A queda de juros exigirá diversificação da carteira e nosso diagnóstico é de que muitos fundos estão atrasados nesse processo.
Broadcast – Foi por esta razão que a Previc flexibilizou as regras para que as fundações possam investir no exterior?
Coelho – O Brasil é um dos últimos da lista em investimentos no exterior pelas fundações, com menos de 0,5% do total dos ativos. Na Costa Rica esse porcentual é de 7%, Chile de 40%, Peru perto de 37%. Aqui há uma concentração em investimentos locais, mas como a tendência é de que a taxa baixa de juros se mantenha, fizemos alguns ajustes para flexibilizar os investimentos, para que os fundos estudem e se aprofundem nessa questão. Haverá um novo aperfeiçoamento no início de 2018.
Broadcast – E como podemos olhar para o futuro dos fundos de pensão?
Coelho – Os fundos de pensão em todo o mundo representam poupança de longo prazo, que tem grande potencial para ser uma mola propulsora para a economia, de fazer investimentos de longo prazo, incentivar mercado de capitais, o que traz ganhos sociais e econômicos. As fundações irão se fortalecer e se colocar como os protagonistas dos investidores institucionais como são.
Broadcast – São possíveis outras intervenções?
Coelho – Temos feito um acompanhamento próximo das situações de risco e se aparecer um risco mais alto que potencialmente possa se materializar não descartamos uma atuação mais rígida. Isso está em linha com a busca de garantir o funcionamento do sistema e preservar o patrimônio dos participantes.
Por Fernanda Guimarães – fernanda.guimaraes@estadao.com, Estadão de 15/12/2017