Fonte: RCN 67, por Ana Cristina Santos
Foto: RCN 67/ arquivo JPNews
A todo momento surgem notícias, matérias e fatos relacionados com a falta de educação financeira do brasileiro. Os dados são alarmantes e manifestam que a vida de milhões de brasileiros se encontra fora do equilíbrio financeiro. Um ponto que merece a atenção é que aparentemente parcela considerável de brasileiros não visam o equilíbrio de suas finanças pessoais atuais objetivando a poupança e o investimento para evitar aflições e frustrações no futuro.
Em entrevista ao Jornal do Povo, o professor de Economia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Campus de Três Lagoas e presidente estadual da Associação Brasileira de Profissionais de Educação Financeira (ABEFIN), Marçal Rogério Rizzo, fala sobre o assunto.
Essa não é a primeira vez que discorremos aqui sobre a falta de educação financeira do brasileiro. Por que esse cenário não muda? O brasileiro realmente é deseducado financeiramente?
Marçal Rogério Rizzo O tema falta de educação financeira do brasileiro vem sendo recorrente, até parece que estamos repetindo a entrevista. Porém o que se nota é que infelizmente o cenário vem se agravando. A Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC) apresentada em janeiro de 2023 já mostrou que 77,9% das famílias brasileiras estavam endividadas no último ano. As causas desse endividamento podem ser inúmeras passando pela inflação, desemprego, ausência de políticas efetivas de distribuição de renda, pandemia e claro, indo para a falta de educação financeira do brasileiro. Temos que lembrar que hoje também existe um culto ao consumismo, só existo para a sociedade se estou consumindo e postando algo nas redes sociais. Mudar esse cenário é uma tarefa árdua, todavia certamente seria muito positivo para a vida de milhões de brasileiros. Penso que uma política educacional estruturada e de longo prazo traria muitos efeitos positivos. O foco aqui poderia ser amplo abarcando as crianças, adolescentes, jovens e até mesmo o público adulto.
Esta glamorização do consumo que vem ocorrendo nas redes sociais contribui para desequilibrar a vida financeira do brasileiro? Esse é um ponto que mostra que o brasileiro realmente é deseducado financeiramente?
Marçal Rogério Rizzo As redes sociais entram nos nossos lares mostrando que a grama do vizinho é mais verde, que o passeio do outro é mais legal que o seu, que o outro viaja mais que sua família, que come nos melhores lugares, enfim, mostra somente o que é bom ou caro. As postagens sempre são de algo que ostenta o consumo. Isso cria um ambiente propício para sentir vontade de consumir o mesmo que quem está se mostrando na rede social. Agora há questões para serem pensadas: Você tem um padrão de vida, ou melhor as suas receitas condizem com este padrão de consumo que presencia nas redes sociais? Você precisa deste nível de consumo? Necessita consumir e postar para ser aceito? Muitos entram nesse caminho de consumir sem ter as devidas condições e se desequilibram financeiramente. O ponto que deve ser lembrado é que você tem que se conhecer financeiramente e ter sonhos e nunca perder o foco deles. Consumir para aparecer para os outros uma prova de ausência de educação financeira.
Muitos dizem que o dinheiro não traz a felicidade, mas é inegável que a falta dele traz a infelicidade. Sabemos que é um recurso necessário. Como seria uma relação sadia com o dinheiro?
Marçal Rogério Rizzo Desde criança ouço em inúmeros ambientes que o dinheiro não traz felicidade. Até quando recorremos aos pecados capitais temos a avareza como um deles, que é o apego excessivo aos bens materiais e, claro, ao dinheiro. Entretanto, sempre vi meus pais e aprendi que temos que ganhar dinheiro para viver e que sem ele não sobrevivemos. Uma relação sadia com o dinheiro já parte do pressuposto de entender para que ele serve, ou seja, ele é um meio de suprir as necessidades básicas e de realizar sonhos. Quando colocamos o dinheiro como um fim, ou seja, que devo trabalhar arduamente para juntar muito dinheiro, ser um acumulador, um avarento, uma pessoa mesquinha, de tal modo já vejo nisso uma relação doentia com o dinheiro. Por outro lado, também ser uma pessoa gastona, desequilibrada, um mão aberta que vive correndo atrás do dinheiro só para pagar as contas, também se torna uma relação doentia. É muito sofrido correr atrás do dinheiro só para pagar contas. Aqui cabe mais uma vez a prática da busca do equilíbrio, da importância de ter a capacidade de planejar sua relação com o dinheiro sendo um meio para prover as necessidades básicas, os sonhos ou propósitos dentro de um prazo programado.
Contra números não há argumentos. Os dados revelam que parcela considerável dos brasileiros não equilibram as finanças pessoais de hoje para poupar e investir e, assim evitar aflições e frustrações no futuro. A educação financeira poderia ser um agente transformador nesta questão?
Marçal Rogério Rizzo Certamente que sim! Hoje de maneira geral somos convidados e tentados a viver o presente de forma intensa e isso pode custar parte do futuro. Muitas vezes até ouvimos frases prontas como “vou viver o hoje já que posso morrer amanhã”, ou “vou aproveitar que estou vivo”. Essa é uma lógica que vem nos incentivando a trazer um futuro desequilibrado desde o presente. Um exemplo a ser dado é que se não temos o dinheiro para comprar algo que muitas vezes nem é tão necessário, fazemos o parcelamento a perder de vista e, pagamos juros ao invés de receber juros. Será que esse processo vale a pena? Infelizmente o futuro estará comprometido e as aflições e frustrações acontecerão. A educação financeira é tão completa que nos auxilia no autoconhecimento, na busca do “eu financeiro”, no planejamento e orçamento dos sonhos, no incentivo a poupança e aos investimentos. A educação financeira é a mudança de comportamento.
Como uma pessoa que ganha pouco pode se educar financeiramente?
Marçal Rogério Rizzo Essa é uma pergunta que sempre ouço. Vale lembrar que quem ganha pouco tem que preocupar-se de forma mais atenta e cautelosa com seu rico dinheirinho. Cada centavo pode fazer toda diferença, assim também deve ter um diagnóstico preciso de suas despesas e receitas, colocar tudo no papel. Deve traçar os propósitos que tem para o seu dinheiro e pensar em como pode melhorar seus ganhos. Aqui lembro que investimento também pode ser em conhecimento, em educação e em qualificação, assim as pessoas poderão aprimorará receita ou ganhos e mostrará que já estará educada financeiramente.