Fonte: Consultor Jurídico, por Patricia Bressan Linhares Gaudenzi e Marcio Alban Salustino
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As entidades fechadas de previdência complementar (EFPC), pessoas jurídicas sem fins lucrativos na forma da Lei Complementar nº 109/2001, têm desempenhado ao longo dos anos papel fundamental como instrumento que administra recursos de milhares de trabalhadores, aposentados e beneficiários brasileiros.
Apesar da sua natureza peculiar e os contornos das suas singularidades (ausência de finalidade lucrativa [1], de finalidade comercial ou empresarial [2]), tais entidades há anos vêm atravessando verdadeiras batalhas, especialmente no campo do judiciário, para ver-lhes reconhecidos direitos inerentes à sua condição jurídica.
Nesse contexto apresenta-se no cotidiano daqueles que atuam defendendo os direitos das EFPC uma série de decisões judiciais que, além de não visualizar adequadamente a natureza jurídica, equipara as entidades a instituições financeiras, notadamente para fins tributários, e o que acarreta aos seus participantes – em formação de poupança previdenciária ou já aposentados – um custo não apenas inaplicável, pois que contrário à condição da entidade fechada de previdência, mas penoso, diante do esforço individual para poupar.
Embora existam decisões do Superior Tribunal de Justiça assentando as marcantes diferenças entre instituições financeiras e entidades fechadas, a maior parte desses pronunciamentos está no campo do direito privado, não refletindo diretamente nas causas tributárias, gerando incoerência jurisdicional e instabilidade jurídica notórias.
Um tema que particularmente merece atenção especial diz respeito à cobrança de adicional de contribuição previdenciária de dois vírgula cinco por cento, previsto no artigo 22, parágrafo 1º da Lei nº 8.212/1991, que acaba por prescrever o acréscimo arrecadatório para um grupo específico de empresas (instituições financeiras), que, inusitadamente, inclui as entidades fechadas de previdência complementar.
Arrolados no texto da referida lei estão bancos comerciais, bancos de investimentos, bancos de desenvolvimento, caixas econômicas, sociedades de crédito, financiamento e investimento, sociedades de crédito imobiliário, sociedades corretoras, distribuidoras de títulos e valores mobiliários, empresas de arrendamento mercantil, cooperativas de crédito, empresas de seguros privados e de capitalização, agentes autônomos de seguros privados e de crédito e entidades de previdência privada abertas e fechadas.
Embora tenham sido colocadas ao lado dessas pessoas jurídicas de atividade financeira ou securitária, as entidades fechadas são as únicas deste rol que não possuem lucratividade na sua atividade e que revertem todo seu resultado positivo em prol de seus membros, participantes [3].
Por desconhecimento ou falha de técnica jurídica, o legislador igualou pessoas jurídicas absolutamente desiguais, não apenas no elemento comercial (lucro), mas também quanto ao enquadramento constitucional já que as entidades fechadas estão no Título VIII da Constituição, diferentemente do Sistema Financeiro Nacional, tratado no Título VII.
Para além do descompasso legislativo, inconsistência material ou justificativa constitucional para pessoas sem fins lucrativos serem tributadas como se equiparáveis a bancos fossem, o cenário jurisprudencial causa perplexidade ao quadro enfrentado pelas entidades fechadas.
É que em março de 2016, instado por bancos e instituições financeiras, o STF decidiu, em repercussão geral, pela constitucionalidade do referido adicional de dois vírgula cinco por cento no bojo do RE 598.572. O relator, ministro Edson Fachin, reconheceu como legítima a possibilidade de o legislador exercer livre atribuição para onerar excepcionalmente as instituições do setor financeiro, desde que não se viole a Carta da República.
Corroborando as razões do relator, o ministro Roberto Barroso proferiu voto tendo em mira os aspectos de lucratividade das empresas incluídas no dispositivo legal, considerando razoável a norma em razão dos altos índices lucrativos das instituições financeiras.
Em suma, as razões para o STF reconhecer a constitucionalidade do adicional de contribuição previdenciária tomaram por base a premissa de que as instituições financeiras gozam de relevante margem de lucro e não empregam tanta mão de obra (trabalho de pessoas físicas) como outros ramos da economia, até por gozarem de mecanismos operacionais e tecnológicos avançados, afigura-se proporcional, razoável e isonômico que estas arquem com o ônus adicional sobre a folha de salário.
No entanto, esses fundamentos e justos motivos não se estendem às entidades fechadas que sequer gozam de finalidade lucrativa, evidentemente. Ao contrário, tudo aquilo que foi considerado pelo Supremo para reputar constitucional o adicional em face dos bancos e financeiras se aplica inversamente para entidades fechadas, de modo que, em não havendo a adequada capacidade contributiva para estas, não há legitimidade na cobrança adicional, sob pena de desigualdade tributária.
A despeito da ratio decidendi do acórdão do Supremo, como as entidades fechadas não eram parte no julgamento paradigma, não houve naquele momento qualquer distinção e a situação das entidades fechadas de previdência complementar restou sem tratamento expresso.
Passados anos do ajuizamento dessas demandas, as ações promovidas pelas referidas entidades previdenciárias começam a chegar aos tribunais superiores, o que aponta para um momento decisivo quanto a este desfecho, principalmente com a necessidade de apreciação da temática pelo Supremo Tribunal Federal, vez que se cuida de matéria eminentemente constitucional.
Nessa conjuntura, em fevereiro de 2021 foi proferida decisão – certamente uma das primeiras que cuida da matéria num processo de entidade fechada – em que a 2ª Turma do STF [4] considerou que a equiparação dessas entidades às instituições financeiras decorre de opção legislativa exercida dentro de parâmetros constitucionais, negando a pretensão da entidade fechada de previdência complementar que pleiteava o distinguishing e a limitação da tese de repercussão geral para que estas não fossem alcançadas pelo adicional.
A referida decisão, contudo, ainda representa um pronunciamento isolado e embrionário do Supremo, sem efeito vinculante, sendo certo que não houve apreciação da questão pelo Plenário. Diante disso, há um caminho para que se busque o reconhecimento da repercussão geral específica das entidades fechadas de previdência complementar de maneira que num julgamento fundamentado e exauriente possam ser analisadas as particularidades relativas à inconstitucionalidade do adicional do artigo 22, § 1º da Lei nº 8.212/1991, vis-a-vis as razões de decisão adotadas pela STF no RE 598.572.
Aliás, no último dia 30 de junho de 2022 foi publicado acórdão do Superior Tribunal de Justiça que pronunciou, literalmente, a vedação da equiparação de entidades fechadas a instituições financeiras, reafirmando que as primeiras sequer fazem parte do sistema financeiro nacional, tendo a destinação precípua de conferir proteção previdenciária aos seus participantes [5].
Esse julgado, vale dizer, teve ampla divulgação nos canais oficiais do STJ e pode guiar a reforma dos insistentes entendimentos de igualação dos tribunais regionais e estaduais que colocam, no mesmo plano, instituições financeiras e entidades fechadas.
Por isso, ao fim desse debate, espera-se que prevaleça entre entidades fechadas e instituições financeiras “a insuperável máxima aristotélica de que a verdadeira igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, máxima que Ruy Barbosa interpretou como o ideal de tratar igualmente os iguais, porém na medida em que se igualem; e tratar desigualmente os desiguais, também na medida em que se desigualem” [6].
[1] Lei Complementar nº 109/2001: artigo 31. As entidades fechadas são aquelas acessíveis, na forma regulamentada pelo órgão regulador e fiscalizador, exclusivamente:
I – aos empregados de uma empresa ou grupo de empresas e aos servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, entes denominados patrocinadores; e
II – aos associados ou membros de pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial, denominadas instituidores.
§ 1o As entidades fechadas organizar-se-ão sob a forma de fundação ou sociedade civil, sem fins lucrativos. (…)
[2] Lei Complementar nº 109/2001: artigo 32. As entidades fechadas têm como objeto a administração e execução de planos de benefícios de natureza previdenciária.
Parágrafo único. É vedada às entidades fechadas a prestação de quaisquer serviços que não estejam no âmbito de seu objeto, observado o disposto no artigo 76.
[3] Lei Complementar nº 109/2001: artigo 20. O resultado superavitário dos planos de benefícios das entidades fechadas, ao final do exercício, satisfeitas as exigências regulamentares relativas aos mencionados planos, será destinado à constituição de reserva de contingência, para garantia de benefícios, até o limite de vinte e cinco por cento do valor das reservas matemáticas.
[4] (RE 1176424 ED-ED-AgR, relator (a): GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 24/02/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-038 DIVULG 01-03-2021 PUBLIC 02-03-2021).
[5] (REsp n. 1.854.818/DF, relatora ministra Maria Isabel Gallotti, relator para acórdão ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 7/6/2022, DJe de 30/6/2022.)
[6] ADI 3330, relator (a): ministro AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 03/05/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-055 DIVULG 21-03-2013 PUBLIC 22-03-2013 RTJ VOL-00224-01 PP-00207.
Patricia Bressan Linhares Gaudenzi é sócia de Linhares e Advogados Associados, professora de pós-graduação em Direito Tributário e em Previdência Complementar da Faculdade Baiana de Direito (FBD) e membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).
Marcio Alban Salustino é sócio de Linhares e Advogados Associados e especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e em processo Civil pela Escola Superior de Advocacia Orlando Gomes (ESA-BA).