Fonte: Archdaily, por Ciro Férrer Herbster Albuquerque, arquiteto e urbanista especializado em neurociência aplicada à arquitetura, gerontologia, geriatria aplicada e neuroaprendizagem. Mestrando na Universidade Federal do Ceará. Consultor e pesquisador acadêmico.
Foto: Archdaily/ Pedro Vannucci
Ao considerar o recorte da população idosa a partir dos 60 anos, a pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022 contabilizou o total de 32.113.490 pessoas idosas, cerca de 15,6% da população atual. Em 2010, o mesmo grupo etário representou 10,8%, ou seja, um aumento de 4,8% em apenas 12 anos. A idade média da população brasileira aumentou 6 anos desde 2010, atingindo 35 anos em 2022, e o índice de envelhecimento subiu, indicando 55,2 pessoas idosas para cada 100 crianças de 0 a 14 anos, em comparação ao ano de 2010, com 30,7 para 100 infantis.
Destaca-se a notável diferença entre a velocidade observada da transição demográfica nos países desenvolvidos e a esperada para os países em desenvolvimento. Os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), ainda em 2015, mostraram que enquanto a França levou aproximadamente 150 anos para que a população acima de sessenta anos passasse de 10% para 20% do total, o Brasil, China e Índia deverão levar apenas 20 anos para se adaptar à mesma situação.
Diante desse envelhecimento gradual, arquitetos, designers e urbanistas devem se preparar e começar a repensar na produção do espaço em prol do envelhecimento saudável da população brasileira. Para isso, serão abordadas as principais modificações sensoriais observadas durante o envelhecimento humano, mediante o conhecimento da gerontologia e da geriatria, presente na obra Tratado de Geriatria e Gerontologia, editado por Elizabete Viana de Freitas e Ligia Py. A partir do conhecimento referente às modificações sensoriais esperadas pelo envelhecimento, soluções e ideais vinculadas à arquitetura residencial podem ser planejadas com a finalidade de promover o “aging in place”, conhecido também como o “envelhecer na própria casa” dos atuais e futuros longevos. Conforme a OMS, “aging in place” significa a capacidade de continuar a viver em casa e na comunidade ao longo do tempo, com independência, segurança e autonomia.
Envelhecimento humano, sentidos e arquitetura em prol da longevidade
Visão
À medida que o organismo envelhece, ocorrem várias mudanças no sistema visual. Isso inclui a redução do diâmetro da pupila, redução da transmissão de luz para a retina e perda de células ganglionares. A redução da flexibilidade do cristalino também leva a uma diminuição na acomodação visual. Além disso, as estruturas cerebrais responsáveis pelo processamento visual, como o córtex visual, podem apresentar processamento lentificado com a idade. O cristalino também sofre o processo de amarelecimento, tornando a visão do longevo mais “amarelada” ou “embaçada” quando comparada a acuidade ocular de adolescentes, por exemplo.
Essas modificações podem levar a uma diminuição da acuidade visual, dificuldade na adaptação a diferentes níveis de luminosidade e percepção reduzida de cores. A redução da visão periférica e da sensibilidade ao contraste pode afetar a capacidade de detectar objetos em movimento e reconhecer faces. Isso pode resultar em dificuldades na leitura, reconhecimento de rostos e execução de tarefas diárias que exigem percepção visual precisa, como dirigir.
Ambientes projetados para idosos devem levar em consideração essas modificações sensoriais. Isso pode incluir a instalação de iluminação direcional e de alto contraste para facilitar a visão, como o uso da luz de vigília nos quartos com sensor de movimento. Também é importante minimizar obstáculos e fornecer superfícies com texturas distintas para facilitar a locomoção. O artigo Luz Eficiente para Olhos Experientes, recém-publicado pela Revista Lume Arquitetura, fornece diretrizes objetivas com base em estudos da neurociência e da gerontologia aplicados à arquitetura e ao design dos ambientes construídos.
Audição
A perda auditiva é uma das modificações sensoriais mais comuns associadas ao envelhecimento. Ela ocorre devido ao enfraquecimento nas células ciliadas do ouvido interno e pode afetar a capacidade de perceber sons agudos e a capacidade de discernir palavras em ambientes ruidosos. Além disso, as estruturas auditivas no cérebro, como o córtex auditivo, podem experimentar mudanças estruturais relacionadas à idade.
Pessoas longevas com perda auditiva enfrentam desafios na comunicação, no envolvimento social e na qualidade de vida. Eles podem ter dificuldade em participar de conversas, falar ao telefone e desfrutar de atividades sociais. Esses e outros fatores levam ao isolamento social e, consequentemente, podem agravar quadros depressivos. O recente estudo publicado na Revista Lancet, por exemplo, demonstrou que o Brasil tem as mais altas taxas de depressão em toda a América Latina. Atualmente, é o país com o maior número de pessoas diagnosticadas com a doença na região, onde mais indivíduos receberam o diagnóstico no último ano e mais pessoas irão desenvolver tal quadro neuropatológico ao longo de suas vidas. Além disso, conforme o IBGE, realizado ainda em 2019, os idosos entre 60 e 64 anos representavam a faixa etária proporcionalmente mais afetada: 13,2% tinham sido diagnosticados com depressão.
Ambientes para idosos devem minimizar o ruído, usar sistemas de amplificação de som e promover o uso de dispositivos auditivos. Além disso, a trabalhabilidade de isolamento acústico, de materiais absorventes de ruídos sonoros e aglomerados paisagísticos são algumas das estratégias arquitetônicas que podem mitigar tal modificação auditiva. A integração de materiais de revestimento que absorvem o som e a concepção de áreas de convívio acusticamente otimizadas não apenas reflete um compromisso com a acessibilidade, mas também destaca a importância de promover ambientes que considerem o bem-estar acústico como parte integrante da qualidade de vida dos atuais e futuros idosos.
Tato
A sensibilidade tátil diminui com o envelhecimento devido à perda de receptores na pele. Isso resulta em uma menor capacidade de detectar calor, frio e dor. Além disso, os mecanorreceptores no sistema nervoso periférico podem sofrer danos relacionados à idade. Pessoas idosas podem ter dificuldade em identificar objetos com base no toque e podem não perceber feridas ou queimaduras. Isso pode levar a problemas de segurança e autocuidado. Dessa forma, ambientes destinados para a longevidade devem ser projetados com superfícies seguras, como tapetes antiderrapantes, e com controle de temperatura para evitar queimaduras acidentais. Além disso, é importante criar um ambiente seguro que minimize o risco de quedas.
Olfato e paladar
Com o envelhecimento, o olfato e o paladar podem sofrer alterações significativas. Isso ocorre devido a mudanças nas células sensoriais e nas áreas do cérebro associadas a esses sentidos. A capacidade de perceber certos odores e sabores pode diminuir, o que pode afetar a apreciação de alimentos e o reconhecimento de perigos, como alimentos estragados.
Essas modificações podem levar a uma redução do apetite e da satisfação com a comida. Além disso, a diminuição da capacidade de detectar odores desagradáveis pode resultar em riscos para a segurança, como a incapacidade de detectar vazamentos de gás ou alimentos estragados.
Em ambientes para idosos, é importante manter a qualidade do ar e garantir que os alimentos estejam armazenados de forma segura. Além disso, os ambientes devem ser projetados para estimular o apetite, usando cores e designs atraentes. O livro Multisensory Development, editado por Andrew J. Bremner, David J. Lewkowicz e Charles Spence, em 2012, pela Universidade de Oxford, é uma excelente fonte para arquitetos e designers que buscam soluções efetivas, responsáveis e baseadas em evidências na promoção de ambientes em prol da longevidade populacional.
Propriocepção
A propriocepção é o sentido que permite que os indivíduos percebam a posição espacial de seus corpos, bem como o movimento e a orientação das diferentes partes do corpo. Esse sentido é crucial para a coordenação motora, equilíbrio e interação eficaz com o ambiente ao redor. A propriocepção é mediada por receptores sensoriais localizados nos músculos, tendões e articulações, que enviam informações ao sistema nervoso central sobre a posição e o movimento do corpo.
Com o envelhecimento, a propriocepção pode sofrer alterações devido a fatores como perda de massa muscular, diminuição na sensibilidade dos receptores sensoriais e mudanças na função articular. Essas modificações podem impactar a capacidade do indivíduo de manter o equilíbrio, realizar movimentos coordenados e evitar quedas.
Os impactos diários das alterações na propriocepção podem incluir dificuldades em caminhar em superfícies irregulares, realizar tarefas que exigem precisão motora, como pegar objetos pequenos, e acentuar o risco de quedas, especialmente em ambientes desafiadores. Além disso, a diminuição da propriocepção pode contribuir para a redução da mobilidade e da qualidade de vida.
Soluções arquitetônicas podem mitigar as modificações na propriocepção durante o envelhecimento. A NBR 9050:2020, sobre a acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos, é uma fonte essencial para adaptar e construir a arquitetura de forma responsável e coerente com o design universal.
Iluminação adequada: Garantir uma iluminação adequada nos ambientes, destacando áreas de circulação e eliminando sombras, ajuda na percepção do espaço.
Contrastes visuais: Utilizar contrastes visuais em degraus, pisos e mobiliário pode facilitar a identificação de mudanças de nível e superfícies.
Superfícies antiderrapantes: Optar por revestimentos de piso antiderrapantes em áreas propensas a umidade ou escorregamentos pode melhorar a estabilidade durante a locomoção.
Sinalizações claras: Implementar sinalizações visuais claras e intuitivas, indicando direções, obstáculos e informações importantes, auxilia na orientação espacial.
Mobiliário adequado: Escolher mobiliário que seja seguro, de fácil acesso e que permita a movimentação sem obstáculos contribui para a segurança e o conforto.
Espaços bem planejados: Projetar espaços que favoreçam a circulação sem obstruções, evitando excesso de móveis ou elementos decorativos, pode facilitar a locomoção.
Acessibilidade universal: Adotar princípios de acessibilidade universal, como rampas suaves, corrimãos e elevadores em locais estratégicos, promove a inclusão e facilita o deslocamento.
Essas adaptações arquitetônicas visam criar ambientes que minimizem as barreiras para pessoas com alterações na propriocepção, proporcionando segurança, autonomia e qualidade de vida, especialmente em idosos.
Interocepção
A interocepção refere-se à capacidade do organismo de perceber e interpretar sinais internos relacionados ao estado fisiológico, como fome, sede, temperatura corporal, batimentos cardíacos e sensações viscerais. É um componente crucial da consciência corporal e desempenha um papel fundamental na regulação das funções autonômicas. Essa capacidade permite que as pessoas estejam conscientes das necessidades internas do corpo e respondam adequadamente a esses estímulos.
Com o envelhecimento, a interocepção pode sofrer alterações significativas. A sensibilidade aos sinais internos pode diminuir, levando a uma menor percepção de fome, sede e outros estados fisiológicos. Isso pode resultar em desafios na autorregulação e na resposta eficaz às necessidades corporais.
As modificações na interocepção podem ter impactos diários substanciais. Indivíduos idosos podem enfrentar dificuldades em reconhecer a sede, levando a uma hidratação inadequada. A falta de percepção de fome pode influenciar os padrões alimentares, contribuindo para problemas nutricionais. Além disso, a redução na sensibilidade a sinais corporais importantes pode afetar a capacidade de resposta a situações de estresse ou desconforto.
A partir de estímulos ambientais, chamados também de nudges, podemos adaptar a arquitetura e o design dos ambientes internos em prol da longevidade populacional. Vale considerar que o nudge refere-se a uma abordagem de influência comportamental que envolve o uso de sugestões positivas e indiretas para motivar as pessoas a tomarem decisões específicas sem impor restrições ou alterar significativamente suas opções. Foi popularizado mediante ao livro Nudge: Como tomar melhores decisões sobre saúde, dinheiro e felicidade, escrito por Richard H. Thaler, ganhador do prêmio Nobel de economia, e Cass R. Sunstein. Essa técnica é baseada na ideia de que pequenos ajustes no ambiente ou nas informações apresentadas podem influenciar as escolhas das pessoas de maneira previsível, como por exemplo:
Implementação de sistemas visuais de alerta para indicar a necessidade de hidratação ou alimentação. Utilização de cores e iluminação específicas para destacar áreas destinadas a atender às necessidades fisiológicas.
Adaptação arquitetônica de cozinhas em espaços residenciais ou institucionais para facilitar o acesso a alimentos e estimular a alimentação regular.
Criação de ambientes convidativos para refeições, considerando aspectos sensoriais que possam despertar o apetite.
Sinalização tátil: Integração de sinalizações táteis, como texturas no piso ou superfícies específicas, para orientar o indivíduo em direção a áreas de descanso, alimentação ou hidratação.
Design de espaços confortáveis que incentivem a pausa e a atenção às necessidades corporais. Consideração da ergonomia do mobiliário para promover a comodidade durante períodos de descanso e reflexão.
Tecnologia assistiva: Incorporação de tecnologias assistivas, como dispositivos de lembrete ou aplicativos, para alertar sobre a necessidade de hidratação, alimentação ou pausas.
Criação de ambientes acessíveis, com disposição intuitiva de áreas destinadas às necessidades fisiológicas, garantindo fácil acesso e compreensão.
O entendimento das mudanças neurobiológicas associadas ao envelhecimento sensorial e às condições neurodegenerativas é essencial para a implementação eficaz de intervenções arquitetônicas. A criação de espaços que considerem as necessidades específicas dessas pessoas é crucial para enfrentar os desafios sensoriais e promover o bem-estar. O projeto arquitetônico sensível pode ser uma ferramenta poderosa na promoção da autonomia e na melhoria da experiência cotidiana para essas populações. Adaptações nos ambientes residenciais, de cuidados de saúde e espaços públicos podem contribuir significativamente para a qualidade de vida e inclusão social desses indivíduos.