Fonte: Estadão
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Desde 2016, o aposentado Carlos Alberto Patrício, de 71 anos, conta os dias para novembro chegar. No dia 4, ele já veste, orgulhoso, a roupa vermelha e branca do mais ilustre morador da Lapônia, região gelada no extremo norte da Finlândia, e dá expediente, das duas da tarde às oito da noite, em um shopping de Botafogo, na ensolarada Zona Sul do Rio, até a véspera de Natal. Sob o nome artístico de Carlos Patrício Noel, tira fotos, recebe cartinhas, distribui sorrisos. Na noite do dia 24 de dezembro, data do nascimento de Jesus, segundo a tradição católica, faz uma média de seis visitas domiciliares, de 40 minutos cada, por bairros da Zona Oeste, como Barra, Recreio e Jacarepaguá.
Carlos Alberto é um dos mais de 800 “Bons Velhinhos” que a Escola de Papai Noel do Brasil, com sede no Rio de Janeiro, já formou em 30 anos de atividade. “Quando visto a roupa do Papai Noel, eu me transformo. É como se eu adquirisse superpoderes. Mudo até meu jeito de agir e pensar”, conta o militar reformado do Exército que já foi dono de empresa de vigilância e síndico de condomínio. “Antes, era um sujeito embrutecido, sabe? Hoje, sou mais afetuoso e empático. Fiquei sensível ao problema dos mais necessitados. Ser Papai Noel amoleceu meu coração”.
A ideia de se transformar em Noel, conta, partiu de um morador do prédio onde mora. Foi o vizinho quem indicou, por causa de sua barba branca, a escola fundada pelo ator e diretor teatral Limachem Cherem em 1993. Se forem aprovados no processo de seleção, os aspirantes a Bom Velhinho podem trabalhar em lojas, shoppings e empresas, visitar asilos, orfanatos e hospitais, e faturar algo em torno de R$ 20 mil por cerca de 40 dias de trabalho. “O lado bom é poder estar sempre em contato com criança. Tenho seis netos e três bisnetos, e posso garantir: rejuvenesço na presença deles. O lado ruim? Bem, não ter começado antes”, diverte-se Simon Komarov, de 75 anos. Mais conhecido como Saymon Claus, ele é Papai Noel há 12 anos.
“Depressão pós-aposentadoria”
Interpretar o Bom Velhinho faz bem à saúde mental e financeira. Mas, não é todo trabalhador que, a exemplo de Carlos e Simon, consegue encontrar uma nova razão para viver – e uma fonte de renda – depois de aposentado. Muitos, sem propósito e rendimento, caem em depressão. É o que alguns especialistas já apelidaram de “depressão pós-aposentadoria”. O distúrbio não consta no Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), publicado pela Associação Americana de Psiquiatria, nem na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID).
Um estudo de 2013 do Institute Economics Affairs (IEA), com sede em Londres, dá o alerta: parar de trabalhar pode aumentar em 40% o risco de depressão e em 60% o de doenças físicas. “Na maioria das vezes, os pacientes não se queixam de tristeza, mas de vazio. É como se vivessem num ‘grande domingo que nunca acaba’. Atribuo esse sentimento à falta de propósito. Quando temos projetos, o futuro existe. Quando não temos, os dias são todos iguais”, adverte a psiquiatra Tânia Correia de Toledo Ferraz Alves, da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).
Coordenadora do Departamento de Psicogeriatria da instituição, Tânia explica que os sintomas da chamada “depressão pós-aposentadoria” podem variar de físicos a psicológicos. Entre outros tantos, ela cita cinco: dores pelo corpo, falta de sono, perda de apetite, dificuldade de concentração e lapsos de memória. Para tratar, há dois caminhos a seguir: o psicossocial, técnica que combina aspectos sociais e psicológicos, e o farmacológico, terapia que prescreve, com orientação médica, remédios antidepressivos.
Mais importante do que tratar, porém, é prevenir a “depressão pós-aposentadoria”. Neste sentido, ela recomenda que, às vésperas da aposentadoria, o trabalhador saia à procura daquela gaveta, no sentido próprio ou figurado da palavra, onde guardou, durante os anos de serviços prestados, seus projetos pessoais. E, assim que encontrar, procure esvaziá-la.
“Lembra dos sonhos que você deixou de realizar por falta de tempo? Então, que tal realizá-los agora? Pode ser escrever um livro, visitar museus, aprender pintura, fazer uma viagem, pescar com amigos… Nunca é tarde para resgatar antigos projetos ou, então, descobrir algo novo para fazer”, sugere a psiquiatra.
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Aposentadoria faz bem à saúde
Apenas dois anos depois, em 2015, outro estudo, também britânico, indicou resultado diferente do anterior, da IEA. A equipe do economista Peter Eibich, da Universidade de Oxford, avaliou o impacto da aposentadoria na saúde do trabalhador e, depois de monitorar os dados de mais de 10 mil famílias, chegou à conclusão de que aposentar-se faz bem à saúde.
Entre outros achados, Eibich apurou que os aposentados britânicos dormem mais, se estressam menos e, ainda, praticam mais exercícios físicos do que pessoas da mesma idade que ainda trabalham. Por essas e outras, vão 25% menos ao médico em comparação com trabalhadores da mesma faixa etária.
A geriatra Ronny Roselly Domingos, especialista em envelhecimento ativo da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), lembra que ninguém dorme trabalhador e acorda aposentado. Pelo contrário. Todo mundo sabe que, mais cedo ou mais tarde, vai passar por isso. No entanto, ninguém, ou quase ninguém, se prepara como deveria.
“Em geral, a aposentadoria é muito desejada, mas pouco planejada. Todo mundo planeja passar no vestibular, se casar, ter filhos, ingressar no mercado de trabalho etc., mas ninguém se prepara para a aposentadoria. Assim como o jovem pensa que nunca vai envelhecer, o trabalhador acha que nunca vai se aposentar. O idoso que serei aos 80 anos depende do jovem que eu fui aos 20”, alerta a médica.
Na maioria das vezes, a aposentadoria não é o fim. Mas, um recomeço. Muitos trabalhadores, depois de um breve período de descanso, retornam ao mercado de trabalho. Em alguns casos, eles voltam porque precisam. A necessidade, avalia Ronny, pode trazer impactos negativos à saúde, principalmente quando o sujeito trabalha em algo de que não gosta. Em outros, porém, regressam porque querem. A oportunidade, ao contrário da necessidade, pode ser benéfica à saúde física, mental e financeira do aposentado. É o caso de Carlos e Simon, citados no início desta reportagem, que encontraram uma nova razão de viver ao se vestir de Papai Noel e levar alegria às pessoas.
“Muitas vezes, o que era um sonho na infância ou um hobby na adolescência se transforma em atividade na vida adulta. Isso é extremamente positivo porque, entre outras vantagens, aumenta a autoestima do aposentado, reduz o isolamento social, combate a ansiedade e depressão, e melhora a sensação de mais valia. Sentir-se útil à sociedade faz um bem danado à saúde. Por isso mesmo, recomendo aos meus pacientes cultivar relações pessoais fora do ambiente de trabalho e, para além do profissional, procurar sempre outras áreas de interesse”, orienta a geriatra.
Planejamento mental e financeiro
Preparar-se financeiramente para quando a aposentadoria chegar é tão urgente e preciso quanto se planejar mentalmente para essa fase da vida. E, neste caso, não dá para começar a pensar nisso a poucos meses de pendurar as chuteiras, como diriam os jogadores de futebol. Quanto antes, melhor.
Autor de incontáveis livros sobre educação financeira, como Adeus, Aposentadoria – Como Garantir Seu Futuro Sem Depender Dos Outros (Sextante, 2014), o escritor Gustavo Cerbasi dá uma dica: o ideal é o trabalhador poupar o mínimo possível por mês e, em seguida, multiplicá-lo no melhor investimento que estiver ao seu alcance. Segundo o autor, não há um percentual pré-estabelecido a ser economizado – dependendo da ocasião, o trabalhador pode economizar mais (caso de jovens em início de carreira) ou menos (de profissionais que acabaram de ter filhos).
“Não trabalhamos para pagar as contas do mês. Trabalhamos para pagar as contas da vida. Nesta conta, precisa entrar não apenas meu estilo de vida presente, mas também o planejamento de uma renda futura”, esmiúça Cerbasi. “Além disso, quando nos aposentamos, deixamos para trás uma fase da vida em que trabalhamos, na maioria das vezes, por dinheiro e para os outros e damos início a outra fase, em que trabalhamos por prazer e para nós mesmos. Muitas pessoas trabalham por necessidade e obrigação. Poucas são aquelas que trabalham por paixão e desejo”.
Este ano, o Natal de Mário Sérgio dos Santos Roque começou mais cedo. Em junho, cerca de 50 “Bons Velhinhos” participaram do 4º Encontro Nacional de Papais Noéis, no Rio de Janeiro. Vieram Noéis de várias cidades do país, como Recife, Joinville e Belo Horizonte. Tinha até Papai Noel surfista que trocou a tradicional indumentária calorenta por bermuda branca, camisa vermelha florida e prancha de surfe.
“Uma coisa é você vestir roupa vermelha, colocar barba postiça e repetir ‘Ho! Ho! Ho!’. Outra, completamente diferente, é praticar a bondade, a tolerância e o amor ao próximo. Mais do que uma diversão, interpretar Papai Noel é uma missão! É realizar o sonho das crianças e relembrar a infância dos adultos”, filosofa o Roque Noel.
Acompanhe o Summit Saúde e Bem-Estar 2023
Os desafios do rápido processo de envelhecimento populacional que o Brasil está vivendo são tema do Summit Saúde e Bem-Estar 2023, organizado pelo Estadão.
O evento ocorre no dia 5 de outubro e contará com a participação de renomados nomes na área da saúde. As palestras podem ser acompanhadas pelas redes do Estadão e pela página oficial.