Fonte: O Globo Saúde, por Giulia Vidale
Foto: Divulgação / Agência O Globo
O biólogo português João Pedro de Magalhães quer encontrar maneiras de frear o envelhecimento. Na Universidade de Liverpool, no Reino Unido, ele lidera o Laboratório de Genômica Integrativa do Grupo de Envelhecimento, que investiga os mecanismos genéticos, celulares e moleculares associado ao passar dos anos. Ao GLOBO, ele defende que a tecnologia poderá acabar com o limite imposto pela biologia para a longevidade humana e fala sobre as principais promessas da medicina para conter os efeitos da idade.
Qual é o limite da expectativa humana hoje?
Por enquanto, o limite da expectativa de vida humana parece ser de 122 anos, que é o recorde atual da longevidade. Ele pertence à francesa Jeanne Calmant. Mas, em termos de futuro, quais são os limites de como a tecnologia poderá impactar nossa capacidade? Eu acho que devemos ser muito humildes sobre como a tecnologia progride. Se alguém voltasse 200 anos ou mesmo 100 anos atrás e dissesse às pessoas daquela época que no futuro haverá um pequeno dispositivo, que cabe no bolso, e que permite nos comunicar instantaneamente com outra pessoa, em qualquer lugar do mundo ou até mesmo no espaço. Se dissessem isso a alguém que vive em um mundo de 100 anos atrás, essa pessoa diria que você é louco. Que isso não seria possível. Mas hoje sabemos que é possível porque temos smartphones.
O senhor acredita que um dia será possível aumentar a expectativa de vida de maneira indeterminada?
Não há dúvida que existe um limite biológico para a longevidade humana, mas isso é como dizer que há um limite para o quanto conseguimos pular ou que há limites físicos que nos impedem de voar, por exemplo. Nós não podemos voar, mas podemos construir aviões e usá-los para voar. Da mesma forma, podemos utilizar a tecnologia para superar nossos limites biológicos. A civilização, a tecnologia e a ciência trabalham justamente para superar esses limites. E a partir das últimas descobertas, vejo que teremos muitos avanços no campo do envelhecimento. No futuro, se realmente conseguir redesenhar biologicamente os humanos, a ciência conseguirá não ter mais um limite biológico para a longevidade e irá curar o envelhecimento. É claro que as pessoas ainda morreriam de acidentes, por exemplo, mas chegaríamos em um ponto em que as pessoas poderiam viver milhares de anos e os riscos para a longevidade seriam o aquecimento global e as armas nucleares, não questões biológicas.
O senhor não acha que viver tanto assim seria antinatural?
Sim, com certeza isso seria muito antinatural. Da mesma forma que me comunicar via internet com alguém no Brasil não é natural. Do mesmo jeito que usar óculos para enxergar, como é o meu caso, não é natural. Quando eu tinha sete anos de idade, eu tive pneumonia. Quando alguém tem pneumonia, o natural seria essa pessoa morrer e é exatamente isso o que aconteceria há 100 anos. Felizmente, hoje nós temos meios não naturais de curar doenças como a pneumonia, graças ao desenvolvimento de antibióticos. Recebi injeções extremamente doloridas de antibióticos, mas que salvaram a minha vida. Então acredito que a civilização e a tecnologia são sobre superar nossos limites naturais. E eu não estou dizendo que isso é bom em qualquer circunstância, mas, muitas vezes, isso é benéfico. Em especial quando ficamos doentes e há diversas opções de tratamento que foram desenvolvidas a partir da ideia de fazer as pessoas viverem o máximo possível, o mais saudável possível. Isso é superar as barreiras naturais. É artificialmente intervir na biologia humana para nos deixar mais saudáveis e eu acho isso fantástico.
Nós vemos isso com a Covid, certo? Se não fossem as vacinas ou os tratamentos, a letalidade da doença seria muito maior.
Exato. As vacinas de RNA mensageiro não são nada naturais, mas eu estou muito feliz e agradecido que nós as temos.
E seria possível frear ou reverter o envelhecimento?
Em animais, incluindo roedores, nós conseguimos retardar o envelhecimento e estender a longevidade. Algumas manipulações genéticas e dietéticas em camundongos e ratos podem prolongar a expectativa de vida desses animais em até 50%, mas ainda não sabemos como reverter o envelhecimento em mamíferos, dado que esse é um aspecto intrínseco da nossa biologia. Eu acredito que um caminho para fazer isso seria pela manipulação genética. Nós teríamos que redesenhar os humanos, redesenhar nosso DNA para evitar o envelhecimento, mas hoje, não sabemos como fazer isso. A Altos Labs, empresa que tem por trás grandes nomes como o Jeff Bezos, busca estudar a reprogramação celular, que é um método que permite reverter alguns aspectos do envelhecimento celular. A limitação é que ninguém sabe se isso funciona em um organismo como um todo, mas temos muitas drogas, dietas e alterações de estilo de vida que se mostraram capazes de retardar o envelhecimento em modelos animais.
Alterações no estilo de vida também podem ajudar quanto?
Eu diria que, neste momento, você deve seguir o conselho da sua mãe e ter um estilo de vida mais saudável. A maioria das intervenções que podemos fazer hoje está associada ao estilo de vida, mas é preciso lembrar que a genética desempenha um grande papel na determinação de nosso estilo de vida, não no que fazemos, mas no sentido de determinar nossa expectativa de vida e taxas de envelhecimento. Nós sabemos que a principal razão para as pessoas se tornarem centenárias é a genética. O problema é que, obviamente, não podemos escolher nossos pais ou avós. Então, o que podemos fazer são alterações no estilo de vida. Mas estou otimista de que, no futuro, com novas tecnologias e o desenvolvimento de terapias genéticas, será possível fazer mais intervenções. Seremos capazes de aproveitar o que estamos descobrindo no nível genético para beneficiar os humanos porque, atualmente, mesmo que consigamos descobrir qual gene modula ou determina a longevidade humana, não podemos alterá-lo.
Além da manipulação genética, quais outros avanços podem desempenhar um papel importante no objetivo de aumentar a longevidade?
Com certeza, os medicamentos são um ponto importante. Muitos deles já contribuem para vivermos mais ao tratar doenças, por exemplo. Também já há muitos avanços na descoberta e desenvolvimento de novos medicamentos para a longevidade. Há também outros avanços como biossensores que possibilitam um melhor diagnóstico ou prever o desenvolvimento de doenças. Há também a medicina personalizada, que busca identificar a melhor droga ou intervenção no estilo de vida para determinada pessoa.
Seria possível tornar as pessoas resistentes a doenças?
Na teoria, sim, é possível. Existem animais e até mesmo pessoas resistentes à doenças. Fizemos um trabalho com ratos-toupeira-pelados, que são roedores de vida longa, muito resistentes ao câncer. Na prática, isso é muito mais complicado porque nem sempre está claro quais são os mecanismos que levam a essa resistência. Depois de identificar esses mecanismos nesses organismos resistentes, é preciso aplicá-los aos humanos e isso também é um desafio. Então essa é uma linha de pesquisa interessante e promissora, mas ainda há muito trabalho a ser feito.