Fonte: Estado de Minas, por Juraciara Vieira Cardoso e José Milton Cardoso Junior
Foto: Estado de Minas/ PxHere
O aposentar é algo a ser comemorado ou algo a ser evitado? Cremos que essa resposta é muito individualizada: ela pode fazer muito bem para aqueles que para ela se prepararam ou pode ser muito prejudicial para aqueles que simplesmente deixaram o tempo passar e, de um momento para outro, se viram sem atividades a serem realizadas, preenchendo suas vidas com um “nada a fazer”. Poucas coisas podem ser mais prejudiciais aos idosos que o completo ócio físico, intelectual, social e espiritual. Ter um objetivo, uma meta, um compromisso, uma realização, tanto na vida ocupacional quanto social faz parte do bem viver.
A Emenda Constitucional 103, de novembro de 2019, alterou as regras de aposentadoria. Estas modificações fizeram com que muitas pessoas jovens idosas ou nem isso, se apressassem para pedir o benefício previdenciário. No entanto, o aumento da expectativa de vida permite, nos dias atuais, que os idosos que já tem preenchido os quesitos para se aposentar se mantenham no mercado de trabalho, mantendo-se produtivos e contribuindo socialmente com os demais, além de manterem-se felizes e preenchidos com o ter o que fazer.
Entretanto, apesar das leis brasileiras disporem de normas que impedem a discriminação por idade, na realidade, o mercado de trabalho para os idosos ainda é bem restrito. O trabalho formal muitas vezes é substituído por ocupações criadas pelos próprios idosos.
Se queremos uma sociedade na qual o idoso se sinta parte, é importante que se discuta as mudanças no mundo do trabalho, as oportunidades de inserção no mercado dos idoso, avaliando suas limitações, desafios, oportunidades e principalmente com a criação de condições dignas e seguras para o exercício de atividades laborativas por esta população. Fato muito importante a ser considerado é o que o passar dos anos agrega aos indivíduos, sendo talhados para muitas atividades, onde o amadurecimento, a parcimônia, a experiência, o compromisso e o valor dado ao trabalho fazem com que o idoso possa ser considerado um excelente colaborador.
De acordo com a pesquisadora Caramaro, o preconceito com relação à idade é um grande limitador da permanência do idoso no mercado de trabalho, sendo este preconceito denominado Idadismo. Alguns empresários, infelizmente, ainda consideram que os idosos têm menor capacidade de produção e maior dificuldade de adaptação às novas tecnologias. O dito Idadismo reduz as oportunidades de trabalho e ainda direcionam os idosos para atividades menos qualificadas e com remunerações inferiores, obrigando-os a desenvolverem atividades informais e trabalho autônomo. Infelizmente, o que a realidade nos mostra é que somente os idosos com maior escolaridade e pertencentes a classes sociais mais favorecidas permanecem por mais tempo em postos de trabalhos de maior qualificação e rendimentos. Evidencia-se aqui mais um custo social para os menos favorecidos e que tiveram menores oportunidades de se qualificarem durante a vida.
A baixa escolaridade cria um contingente de pessoas situadas nas faixas etárias de 50-59 anos, que não trabalham e não tem qualificação profissional para enfrentar o mercado de trabalho. Essas dificuldades atingem ainda mais a população idosa negra ou parda, que evidenciam maiores taxas de analfabetismo que entre as pessoas de cor branca. A essas pessoas sobram atividades que exigem maiores esforços físicos ou são menos gratificantes, como área de construção civil, limpeza, serviços de transporte, segurança patrimonial, dentre outros. Já os brancos, mais escolarizados, desenvolvem atividades ditas mais importantes socialmente, com melhores rendimentos e menor esforço físico. Isso se transforma em um paradoxo difícil de ser vencido por esses gerontes: só lhes resta trabalhos pesados, onde talvez seja deveras penoso que eles os exerçam.
Complica-se ainda mais este cenário quando analisados os postos de trabalho divididos por gênero, nos quais as mulheres mais velhas exercem atividades ainda menos complexas e qualificadas, além de possuírem rendimentos inferiores, quando comparadas a homens idosos. Não bastasse, muitas mulheres ainda enfrentam dupla jornada, mantendo o trabalho e os rendimentos que ele proporciona, associado aos serviços domésticos, para os quais, muitas vezes, não contam com a ajuda dos demais membros da família. O que podemos perceber é que também na velhice há um aprofundamento cruel das desigualdades de gênero no mercado de trabalho.
Como vivenciamos um processo de franco envelhecimento populacional, é importante que aprendamos a valorizar o trabalho do idoso como um importante fato gerador de força produtiva. No entanto, para além de sua força produtiva, que, diga-se de passagem, é muita, principalmente quando levamos em consideração seu conhecimento acumulado, o trabalho é uma forma de manutenção das funções cognitivas e sociais do velho, muitas vezes responsável pela manutenção do sentimento de sentir-se útil, produtivo, vivo. Enquanto para algumas pessoas o trabalhar é o complemento de renda, para outras, o trabalho é uma expressão de realização da própria vida e isso não acaba quando se preenche os critérios para a aposentadoria.
Para esse segundo tipo de pessoas, o afastamento do ambiente laboral pode representar uma das perdas mais importantes da vida. Isso pode acarretar queda do padrão de vida, diminuição do círculo social, predispondo o indivíduo à baixa de autoestima, solidão e acreditar que a vida está terminando, com todas as consequências psíquicas desta certeza. É evidente como essas pessoas com baixa de autoestima passam a se cuidar menos, praticar menos exercícios, abusar de substâncias e álcool e mudarem seu perfil comportamental, ficando cada dia mais apáticas e afastadas da sociedade e até de sua família.
Com o avançar dos anos, a humanidade dependerá cada vez mais da força de trabalho dos idosos, porém, gerando o seguinte questionamento: haverá trabalho para os jovens e para os idosos? Quais os reflexos da baixa escolaridade, do gênero, da classe social e das comorbidades na criação de oportunidades de trabalho para os mais velhos? Com essas perguntas, fica claro e urgente que sejam desenvolvidas políticas públicas de capacitação, geração de empregos e renda para pessoas idosas, já que representam um importante contribuinte para a economia doméstica e contribuição da riqueza de um país, especialmente nos países em desenvolvimento, onde os recursos são mais escassos. Muitos lares multigeracionais têm no rendimento do idoso (avôs e avós), a principal fonte de renda, seja através dos benefícios previdenciários, mas também o que amealham exercendo suas atividades ocupacionais. Muitos lares não sobreviveriam sem o rendimento dos idosos. Atentemos a isso.
Novamente deixamos aqui um alerta: lutemos hoje pelos nossos direitos amanhã. Trabalhar em condições dignas e com remuneração adequada é um direito e não um favor que se faz aos idosos que durante a suas vidas construíram a grandeza deste país. Idosos são pessoas plenamente capazes de realizarem grandes feitos. Vamos nos preparar para manter uma boa qualidade de vida na velhice como perseguimos em todas as fases da nossa vida.
Trabalhar enobrece. Não trabalhar pode adoecer. Caso esteja aguardando o dia da sua aposentadoria, vai aqui um conselho: planeje-se para isto. Unamo-nos para cobrar dos entes públicos condições dignas de aperfeiçoamento, adequação de postos de trabalho e estímulo para que os idosos se mantenham em atividade até quando assim o desejarem. E quando desejarem parar, que seja uma decisão do mesmo e não uma imposição do mercado.