Fonte: Veja, por Claudio Lottenberg
Foto: Veja/ Ronnie Kaufman/Getty Images
A banda norte-americana de rock The Beach Boys lançou, em 1966, o álbum “Pet Sounds”, que abre com a canção “Wouldn’t it be nice”, cuja letra propõe uma questão algo exótica: “Wouldn´t it be nice if we were older?” (“Não seria legal se a gente fosse mais velho?”, em tradução livre). Ficar mais velho não é algo que se associe aos desejos da juventude, da época e de hoje. Mas a idade chega para todos nós e, com a vida adulta, preocupações: medo de perder o emprego, de problemas de saúde, de crises familiares. Essas preocupações têm o efeito perverso de acentuarem o envelhecimento – e isso foi verificado num estudo recente, que avaliou os efeitos do estresse no sistema imunológico.
O estudo, publicado neste mês pela revista especializada PNAS (Anais da Academia Nacional de Ciências dos EUA, na sigla em inglês), foi realizado por pesquisadores da Universidade da Califórnia e Universidade do Sul da Califórnia, e considerou dados de mais de 5.700 pessoas acima dos 50 anos de idade. O que os pesquisadores verificaram foi que o estresse causado por acontecimentos traumáticos – como perder o emprego, morte ou doença de familiares, discriminação, entre outros – afeta a produção de células T novas (ou células T naïve, na linguagem científica). A importância dessas células, por sua vez, está em preparar o sistema imunológico para que este se adapte e enfrente novas doenças.
A queda na produção de células T novas é própria de um fenômeno conhecido por um nome um tanto difícil de pronunciar: imunossenescência. Significa basicamente o envelhecimento do nosso sistema imunológico. Os fatores de estresse investigados pelos pesquisadores aceleram esse processo — o que expõe o indivíduo ao risco de doenças que só viria a eventualmente contrair quando fosse de fato mais velho.
Outro estudo, este da Penn State University (EUA), publicado no periódico “The Journals of Gerontology” também em junho, pesquisou dados de mais de 33 mil pessoas de mais de 51 anos e verificou que gerações mais novas de idosos podem vir a sofrer de doenças crônicas mais cedo que gerações anteriores. Os pesquisadores não avaliaram o efeito específico de fatores estressantes sobre o processo, mas consideraram raça, etnia e condições socioeconômicas na infância.
Envelhecer é um medo humano comum: evoca a ideia de que tudo, eventualmente, chegará ao fim e pior – de que não se sabe quanto tempo se tem até que o fim chegue. A arte capta esse medo, seja na forma de parar a ação do tempo, seja na do desejo de voltar a ser jovem – “O Curioso Caso de Benjamin Button”, do escritor Scott Fitzgerald, “Fausto”, do alemão Johann von Goethe, e mesmo “O Retrato de Dorian Gray”, de Oscar Wilde, são apenas alguns exemplos de uma longa lista.
No mundo fora da ficção, envelhecer ganhou status de estigma – como o chamado “idadismo” ou “etarismo” que não só prejudica em nível individual (complicando, por exemplo, as chances de se encontrar emprego depois de certa idade) como em nível social (comprometendo a elaboração e execução de políticas públicas que promovam bem-estar e igualdade para idosos). Envelhecer já é tratado inclusive como doença – como condição que no futuro poderá mesmo ser revertida, com medicamentos e outras formas de tratamento. O professor David Sinclair, da Universidade Harvard, por exemplo, é um expoente bastante conhecido sobre esse tema. A OMS (Organização Mundial de Saúde) já publica um relatório sobre idadismo.
No Brasil, o envelhecimento da população é um fato. Levantamento do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) de outubro de 2021 elaborou três cenários – um deles de choque populacional, em que, no ano 2100, os mais jovens serão 9% do total, enquanto os idosos representarão 40%. A forma de se lidar com o envelhecimento, segundo o estudo publicado na PNAS, passa pela adoção de estilos mais saudáveis de vida, como dieta mais saudável e atividades físicas com regularidade. No Brasil, políticas públicas que cuidem da saúde e promovam a qualidade da população idosa são e, a se confirmarem as projeções, cada vez mais fundamentais.
Atribui-se ao dramaturgo irlandês George Bernard Shaw a frase que diz que a juventude é maravilhosa – pena ser desperdiçada com os jovens. Mas isso é injusto com os jovens e com os idosos. O mundo abre hoje possibilidades inéditas, e tanto a força da juventude como a experiência da idade vão construir uma realidade melhor. À pergunta dos Beach Boys – seria legal se fôssemos mais velhos? –, mais do que nunca, estão hoje à mão os meios para fazer com que a resposta possa ser um categórico sim.