Vistos por boa parte dos brasileiros como privilegiados, os servidores públicos federais também estão cercados de insegurança em relação à aposentadoria. O baque de uma reforma da Previdência que hoje ameaça dar uma reviravolta nas regras para os trabalhadores da iniciativa privada chegou em 2013 para os servidores públicos, quando eles ficaram impedidos de se aposentar com benefícios acima do teto do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), hoje de R$ 5.531,31. Como opção para quem quer receber acima desse valor, a alternativa é contribuir para o fundo de pensão da categoria, por meio da Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal (Funpresp), uma espécie de “poupança” previdenciária.
A cada R$ 1 colocado nesse fundo, o governo deposita a mesma quantia para complementar o valor do benefício. O resultado é uma aposentadoria mais alta que o teto e compatível ao salário na ativa. Criado para amenizar o impacto para os novos servidores, a fundação tem sido a escolha até de quem entrou no serviço público antes de 2013 e, portanto, já têm direito a benefícios mais generosos, inclusive com paridade e integralidade de salários. Enquanto para os novatos o fundo é indispensável, para os antigos, a decisão é muito mais relativa e vai além do ponto de vista financeiro. Eles têm duas opções caso queiram manter o padrão de aposentadoria: ficar no Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), correndo o risco de que ele se desintegre nos próximos anos, ou migrar para o Regime de Previdência Complementar (RPC), com adesão a Funpresp.
Quem escolhe se manter no RPPS paga a alíquota de 11% sobre o salário bruto. Assim, um servidor que recebe R$ 15 mil, por exemplo, desconta R$ 1.650 para a Previdência. A aposentadoria, nesse caso, poderá ser de até 100% da última remuneração (R$ 15 mil, no caso), para quem ingressou no serviço público até 31 de dezembro de 2003, ou o equivalente à média dos 80% maiores salários, no caso de quem entrou entre 2004 e fevereiro de 2013. Se o servidor resolver migrar para o regime complementar, pagará 11% sobre o teto do RGPS e não sobre o salário que recebe — o que equivale hoje a R$ 608,44. Se, nessa segunda situação, a pessoa não aderir a Funpresp, o benefício será menor, chegando no máximo ao teto do RGPS. “Para manter o valor da ativa, a Funpresp é uma boa opção porque é um fundo fechado e sem fins lucrativos. Vale mais a pena que a previdência privada, certamente, porque o valor vai todo para o fundo e as taxas são menores”, explica a advogada Elenice Hass, secretária-geral do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).
Para complementá-lo, é preciso contribuir com uma taxa que varia de 7,5% a 8,5% sobre a diferença entre o salário recebido pelo servidor e o teto. Por exemplo, o funcionário público citado no início da reportagem, que recebe R$ 15 mil, poderá descontar até 8,5% de R$ 9.468,69 — R$ 15 mil menos o teto atual —, o equivalente a R$ 804,84. Somando com os R$ 608,44 correspondentes ao teto do RGPS, a contribuição mensal total será de R$ 1.409,28. Além de fazer uma reserva para complementar a aposentadoria, o servidor terá direito à contrapartida governamental, que será igual à do trabalhador, no limite de 8,5%. “É um percentual sobre a remuneração que só será computado no fundo de pensão em nome do servidor se ele optar pela previdência complementar. É a melhor opção”, explica o economista Kaizô Beltrão, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV).
O valor do benefício complementar depende do tempo de contribuição, da rentabilidade do plano, do total de recursos acumulados e da expectativa de vida. Outro benefício é a possibilidade de sacar o valor, ressalta o servidor público do Banco Central (BC) Bruno Romancini, 38 anos, que aderiu ao fundo em dezembro. “Além de o valor virar um patrimônio, eu tenho direito ao saque imediato de até 25%. No RPPS, se eu sair, não levo nada, só tempo de contribuição”, pontua. “Se a pessoa está pensando em mobilidade no mercado de trabalho, saindo do serviço público e indo para uma empresa privada, isso é uma vantagem porque estaria levando essas contribuições”, reforça Beltrão. Por esse e outros motivos, pelo menos 300 servidores migraram do RPPS para a Funpresp este ano e se somaram aos 46,2 mil participantes quando começaram as discussões da reforma da Previdência, segundo fonte da fundação.
Vantagens
Na prática, quem migra para a Funpresp ganha três benefícios: o do RPPS, que é limitado ao teto do RGPS e pago pela União, o benefício complementar do fundo, calculado com base na reserva acumulada e na conta individual do participante, e o benefício especial, pago pela União caso a pessoa opte por aderir até 29 de junho do ano que vem. Calculado com base nas contribuições efetuadas para o RPPS e o tempo de contribuição, ele permite que a pessoa “congele” a regra atual de aposentadoria proporcional. Ou seja, se já contribuiu 20 anos na atual regra para o serviço púbico, tendo com base os 80% maiores salários, essa será a mesma regra do benefiício especial quando a pessoa se aposentar. Ele é pago apenas para quem se aposentar no serviço público. É uma forma de a pessoa fugir da reforma da Previdência, porque sedimenta as regras.
A migração é a única forma que o servidor empossado antes de fevereiro de 2013 tem de aderir à Funpresp com direito à contrapartida da União, que dobra o valor da contribuição do servidor. Passado o prazo, só terá direito a isso quem entrou depois dessa data. Os demais que resolverem aderir não terão a parte patronal. A chave para não se perder no cálculo e decidir, até o fim do prazo, se vale a pena ou não migrar é levar em conta que as regras atuais de aposentadoria devem mudar muito nos próximos anos.
Essa consciência foi essencial para que o servidor público Roberto Silva, 37, decidisse sair do RPPS em janeiro. “Para decidir, eu fiz cálculos baseados em duas possibilidades. Primeiro, como ficaria se eu mudasse para a Funpresp e investisse o dinheiro que deixei de contribuir. Depois, como estará quando eu puder me aposentar pelo regime próprio. Testei vários cenários diferentes, com idades mínimas de até 70 anos e alíquota de contribuição de até 20%”, conta. A conclusão foi de que, embora o valor recebido no RPPS seja igual ou ligeiramente maior, vale mais a pena apostar em um novo modelo, de capitalização. “Preferi diversificar, porque não se sabe como estará o funcionalismo daqui a 30 anos, quando eu for me aposentar”, explica.
“Para manter o valor da ativa, a Funpresp é uma boa opção porque é um fundo fechado e sem fins lucrativos
Elenice Hass, do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP)
Alternativa à reforma
Além do funcionário público Antônio Roniel, 34 anos, vários colegas que trabalham com ele no Tesouro Nacional cogitam trocar o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) pelo Regime de Previdência Complementar (RPC), com adesão à Funpresp. Por ter entrado em 2005 no serviço público, Ronieel terá direito a receber um benefício acima do teto do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) caso se aposente pelos moldes atuais, mas tem dúvidas se essa é a melhor alternativa diante das futuras e inevitáveis mudanças nos benefícios previdenciários.
Para o economista Rogério Nagamine, coordenador de Previdência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), trata-se de uma escolha pessoal difícil de definir se é melhor ou pior. “O que podemos dizer é que tem riscos envolvidos, como o de ter um beneficio menor no futuro, além de dúvidas sobre como o fundo vai evoluir. Então, tem que ter muita cautela na hora de fazer”, aconselha.
A advogada Elenice Hass, secretária-geral do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), observa que muitos dos que estão optando por trocar de regime têm decidido ir para a Funpresp por medo das mudanças que virão com a reforma da Previdência. “Essas novas regras causam uma insegurança grande. As pessoas não sabem o que esperar, então veem o fundo como uma coisa mais certeira e que elas mesmas podem administrar”, explica.
Riscos
Entre os riscos, estão o aumento da alíquota de contribuição para o RPPS, que deve aumentar de 11% para 14%, e de que a idade mínima seja jogada cada vez mais para a frente. “Um aumento de alíquota deve, sim, estimular uma migração maior”, acredita Nagamine. Essa possibilidade é uma das preocupações de Roniel. “E pode ser que, diante do cenário, o governo resolva estabelecer um teto de beneficio para quem ingressou antes de 2013, por exemplo. Não dá para saber o que vai mudar daqui para a frente”, afirma.
Mas há também insegurança e risco de ingerência do outro lado. Alguns servidores têm medo de que os fundos quebrem, como o que aconteceu como o Aerus, da Varig, fundo de pensão que deixou na mão milhares de idosos quando a empresa faliu. Esse risco, no entanto, é menor do que há alguns anos. Hoje, cinco bancos fazem a gestão dos recursos da Funpresp, e as leis mais recentes protegem os participantes ao diversificar as aplicações e ao obrigar a contratação de seguro e resseguro. “Também tem risco jurídico. Quem garante que não vai mudar a lei e diminui a contrapartida de R$ 1 do governo?”, questiona o servidor público.
A insegurança maior, no entanto, não é jurídica, “é o fato de não conseguir confiar muito nos próximos passos do governo”. “Quem migra não recebe nenhum comprovante. Então, daqui a 35 anos, quando a pessoa se aposentar, não tem nada comprovando o valor do benefício especial. O servidor tem que guardar tudo”, reclama Ronieel. “Minha tendência é ir para a Funpresp. Mas ainda não migrei porque não tenho segurança e estou tentando entender melhor os prós e contras. Todo mundo tem feito os cálculos e muitos concluem que vale a pena, mas poucos migraram de vez, porque ainda estão com o pé atrás. Como o prazo é até o ano que vem, vou analisar.” (AA)
Patrimônio crescente
Depois de quatro anos de existência, a Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público do Poder Executivo (Funpresp) conta atualmente com 46,2 mil participantes, servidores de 205 órgãos diferentes. A maioria é da área da educação: 67%. O patrimônio do fundo já ultrapassou R$ 540 milhões.
A adesão é automática desde 2015, mas os servidores não são obrigados a permanecer e podem declarar não ter interesse. Antes, só os que pediam para entrar se tornavam participantes. A maioria não se desvincula, já que a opção é atrativa, principalmente pela contrapartida do governo. Para cada R$ 1 investido pelo associado, a União aplica R$ 1, benefício que não existe em nenhuma outra aplicação no momento do aporte. O valor médio da aposentadoria programada das entidades fechadas, em geral, chega a R$ 5.137, segundo a Associação Brasileira de Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp).
Responsabilidade
Para o governo, incentivar a adesão à previdência complementar é positivo. Por isso, ele fomenta essa migração, explica o economista Kaizô Beltrão, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV). “Do ponto de vista patronal, é melhor, porque pode diminuir a responsabilidade. O pagamento passa a depender da rentabilidade do fundo, não é uma promessa de valor”, explica. Seria, segundo ele, uma forma de cooptação, como juros subsidiados. (AA)
Benefícios
Quem preferir se manter no regime antigo também pode aderir à Funpresp, mas como participante ativo alternativo. Ou seja, sem a contrapartida da União. Neste caso, há outras vantagens, como a contratação dos benefícios do risco, invalidez e morte e dedução das contribuições no imposto de renda.
Fonte: Correio Braziliense de 06/08/2017, Economia, página 10, por Alessandra Azevedo.